A distribuição internacional dos direitos dos artistas, intérpretes e executantes

Como se garante que os artistas são corretamente pagos quando uma obra em que participaram é utilizada noutro país? A resposta está numa rede internacional de dados e de normas que permite às organizações de gestão coletiva partilhar informações e distribuir direitos com justiça e precisão.

Por Bruno Gaminha

 

A distribuição internacional de direitos de atores, bailarinos, músicos, interpretes ou executantes está alicerçada em mecanismos que sustentam a troca de informações entre as organizações de gestão coletiva (EGC).

A complexidade dessa tarefa é ampliada pela natureza global do consumo de música e das obras de audiovisual, pela multiplicidade de repertórios e fontes de dados de utilização e pela necessidade de garantir uma remuneração precisa e equitativa aos artistas, independentemente na sua nacionalidade ou da EGC que o representa.

O esforço desta operação envolve vastas quantidades de dados, padrões e protocolos de comunicação e processos de identificação dos artistas, das suas participações artísticas protegidas em fonogramas ou videogramas e na recolha e tratamento das informações relativas às utilizações e ao pagamento dos direitos.

No centro deste ecossistema internacional de informação encontram-se três elementos fundamentais: a Base de Dados Internacional de Artistas (IPD), a Base de Dados de Repertório (VRDB) e um conjunto de normas acordadas internacionalmente, incluindo DDEX, SDEG e FIDEX, que se explicitam abaixo. Em conjunto, estes elementos permitem um fluxo de dados fiável, normalizado e transparente em toda a rede internacional de EGC.

IPD: a pedra angular da identificação dos intérpretes e executantes e da gestão de mandatos

A Base de Dados Internacional de Artistas (IPD) funciona como um registo central para a identificação dos intérpretes e executantes e a gestão dos seus mandatos. A cada artista, intérprete ou executante é atribuído um identificador internacional único (IPN), que permite uma identificação inequívoca além das fronteiras nacionais e organizacionais.

Além da determinação de identidade, a IPD armazena informações sobre os mandatos contratuais e legais que os intérpretes e executantes concedem às suas EGC nacionais para a gestão e cobrança dos seus direitos. Esta funcionalidade é fundamental para evitar sobreposições ou conflitos na representação e para garantir que cada EGC saiba exatamente quais os direitos que tem o direito de gerir em nome de um artista, tanto nacionalmente como internacional.

Ao manter uma fonte harmonizada e autorizada de identidades e mandatos de artistas, o IPD reduz o atrito administrativo e proporciona a certeza jurídica e operacional necessária para processos a jusante, tais como a correspondência de dados, a distribuição de direitos e a resolução de conflitos.

VRDB: mapeamento das contribuições artríticas protegidas e a utilização do repertório

Enquanto o IPD fornece a camada de identidade de artistas, a Base de Dados do Repertório (VRDB) fornece a infraestrutura essencial de correspondência do repertório e da utilização. O VRDB agrega e normaliza metadados sobre gravações em fonogramas ou videogramas, incluindo informações sobre as participações de artistas – ou seja, detalhes sobre quais os intérpretes e executantes que contribuíram para quais gravações, em que capacidade e em que condições. Essas informações formam a base para a alocação equitativa de direitos entre artistas, intérpretes ou executantes.

Normas Internacionais: orquestrando a coreografia da troca de dados transfronteiriça

A interação entre o IPD, o VRDB e as EGC não seria possível sem a existência de padrões partilhados que definem tanto o formato como a coreografia das trocas de dados. Com este objetivo, três normas desempenham um papel fundamental:

DDEX (Digital Data Exchange): as normas DDEX definem a sintaxe e a semântica da comunicação de metadados na indústria musical. Perfis específicos dentro do DDEX são essenciais na estruturação do repertório e no envio de dados de utilização. A sua utilização consistente garante que os dados possam ser interpretados e processados uniformemente em todas os espaços conceptuais e por diferentes partes interessadas no ecossistema.

SDEG (Standard Data Exchange Guidelines): desenvolvida especificamente na comunidade de entidades de gestão de direitos dos artistas, intérpretes ou executantes, o SDEG assegura a padronização da interação entre as EGC. A norma define como e quando diferentes tipos de dados devem ser trocados, fornecendo uma estrutura operacional comum que garante transparência e responsabilidade.

FIDEX (File and Data Exchange): Norma desenvolvida no contexto das EGC do espaço ibero-latino-americano para a troca de dados que sustenta a troca de dados entre as EGC que são membros da Federação Ibero-latino-americana de Artistas Intérpretes e Executantes (FILAIE).

Conclusão

Juntos, o IPD, o VRDB e as normas internacionais formam a espinha dorsal digital do sistema internacional de gestão dos direitos dos artistas, intérpretes ou executantes. Eles garantem que um ator, músico ou bailarino cuja gravação é reproduzida num mercado estrangeiro possa ser identificado, que a sua contribuição seja reconhecida e que a remuneração relevante possa ser cobrada e distribuída com precisão. Além disso, permitem que as EGC operem com eficiência, escalabilidade e confiança, mitigando o risco de disputas, duplicação ou perda de dados.

Numa era em que o volume e a velocidade do consumo de música e de obras de audiovisual continuam a crescer, o ecossistema internacional de direitos dos artistas depende cada vez mais da qualidade e coordenação da sua infraestrutura de dados e da construção estratégica de um espaço de dados pelas EGC de artistas. O investimento contínuo nestes sistemas, com um compromisso com uma governação aberta e cooperativa entre as EGC de artistas, é essencial para concretizar um quadro global de distribuição de direitos justo, transparente e preparado para o futuro.

Pensar os direitos em tempos de mudança

Neste número da nossa Newsletter, damos início a uma série de artigos de opinião, assinados por responsáveis de sociedades de gestão congéneres da GDA. O convidado desta edição é Abel Martín Villarejo, advogado e diretor geral da AISGE, de Espanha.

Os paradigmas do ‘Deus Tecno’

Por Abel Martín Villarejo, advogado e diretor-geral da AISGE (Espanha)

Por detrás de cada criação há alguém que investiu tempo, talento e esforço. Se não o protegermos hoje, amanhã quem sofrerá essa desproteção serás tu.

Os criadores artísticos, em todas as suas formas, enfrentam há séculos um inimigo silencioso: a marginalização jurídica ou a invisibilidade legal. Enquanto o produto do seu trabalho criativo ocupa capas de revistas, galerias e palcos – e mesmo tendo sido o alicerce económico da rádio, da televisão, do cinema e das atuais plataformas digitais – os seus direitos permanecem frequentemente em segundo plano, sujeitos a interpretações variáveis, lacunas legais ou interesses económicos dominantes.

Hoje, mais do que nunca, informar sobre a realidade legislativa, contratual e o impacto dos avanços tecnológicos sobre o trabalho criativo e as suas formas de exploração não deve ser encarado como um exercício académico, teórico ou especulativo, mas sim como uma verdadeira necessidade social, cultural, económica e democrática. Em suma, como um ato de justiça e de responsabilidade.

O desconhecimento, as crenças mal formadas e os interesses espúrios contribuem para o estado de confusão social, política e institucional que atravessa o setor cultural, onde o coletivo artístico é protagonista principal. Por tudo isto, é fundamental que o próprio artista-criador tome consciência do seu estatuto social e cultural, da sua realidade jurídica, e de que a luta pelos seus direitos – laborais, de propriedade intelectual, de imagem e direitos fundamentais – é a única garantia viável do seu trabalho e do seu reconhecimento futuro.

Encontramo-nos, de facto, numa fase evolutiva de profunda e vertiginosa transformação. A irrupção da Inteligência Artificial (IA), sobretudo da IA generativa; o desenvolvimento das plataformas digitais; os deepfakes e a circulação massiva de conteúdos visuais e sonoros estão a reconfigurar não apenas a forma como se cria arte, mas também como ela é explorada, distorcida e apropriada.

Neste novo cenário, o direito de autor e o direito de imagem são as primeiras linhas da frente onde se travam batalhas. Mas o direito de autor – ou, de forma mais ampla, a propriedade intelectual – carece, há décadas, de uma atualização substancial que permita responder eficazmente à nova realidade tecnológica. Os fundamentos e dogmas do direito de autor e do copyright remontam ao século XIX, e vivem hoje de costas voltadas para a tecnologia contemporânea e para as dinâmicas do mercado de conteúdos culturais, especialmente os audiovisuais.

Uma estratégia para o futuro

Com instrumentos jurídicos tão frágeis e obsoletos, é impossível enfrentar os desafios colocados pela IA e por outras tecnologias disruptivas de última geração. Na nossa modesta opinião, a estratégia de futuro deverá passar, pelo menos, pelas seguintes linhas de ação:

  1. fomentar, por parte dos próprios criadores, uma consciência ativa de defesa das suas criações e do valor do seu esforço e criatividade;
  2. atualizar a propriedade intelectual como sistema jurídico eficaz de proteção da criatividade humana;
  3. desenvolver novas fórmulas jurídicas para proteger os conteúdos gerados autonomamente, sem intervenção humana, por inteligência artificial. A tendência atual de abarcar todo o tipo de criatividade – como num saco sem fundo – sob o conceito de propriedade intelectual é, desde logo, um erro de base.

Várias batalhas vêm sendo travadas nas últimas duas décadas e em múltiplos níveis. Mas, com meios de defesa grosseiramente desiguais, a comunidade criativa enfrenta os grandes conglomerados tecnológicos multinacionais. E nesta luta desequilibrada, a parte mais poderosa já seduziu a sociedade civil com ofertas baratas, gratuitidade inicial e vantagens aparentemente insuperáveis.

A cidadania não se apercebe (e, em parte, os artistas também não) de que o caminho iniciado nos conduz ao fracasso da nossa civilização: cultura e entretenimento confundem-se; a arte deixa de estimular o pensamento crítico; deixaremos morrer as democracias por comodismo ou impotência; e, quando quisermos reagir, poderá já ser demasiado tarde.

Este pequeno espaço de reflexão sobre tecnologia e direito é apenas mais um grão de areia com o qual procuramos alertar, propor ideias e informar sobre como se poderá construir um futuro de convivência em paz e harmonia. Porque sem justiça não há paz nem futuro. E sem soluções justas, a própria indústria cultural destruirá os modelos de negócio que a sustentam – e ruirá, como ruíram as torres mais altas.

Progresso e trabalho alheio

Atualmente, os lobbies mais agressivos e influentes do “Deus Tecno” estão a promover reformas legislativas em vários centros de poder mundiais, com o objetivo de legitimar a apropriação de trabalho alheio, mesmo contra o interesse público. O paradigma económico, social, cultural, político e geopolítico está a mudar, sob o olhar atento, perplexo e impotente de todos nós.

Em Bruxelas, por exemplo, estão a ser consideradas iniciativas que poderão alterar profundamente a forma como as plataformas usam conteúdos protegidos. Ignoram-se as implicações do treino de modelos de linguagem e de geração de imagens com materiais que incluem vozes, estilos e rostos de artistas vivos. Quando se fala em “progresso tecnológico”, omite-se muitas vezes que esse progresso se alimenta do trabalho de outrem – do trabalho dos artistas. E que raramente há compensação ou reconhecimento justo.

Importa, pois, colocar nos seus devidos termos a tensão entre direito e tecnologia. Ninguém contesta os benefícios dos avanços tecnológicos na vida quotidiana, na ciência, na economia e até na cultura. A tecnologia tem sido, até hoje, aliada da criatividade – não inimiga. Mas a confluência de tantas circunstâncias adversas começa a gerar efeitos colaterais nocivos (como o impacto sobre o trabalho de atores de voz, designers, escritores, etc.) que colocam em risco todo o tecido económico e cultural.

Daí a urgência de abrir esta janela de comunicação. Vivemos rodeados de arte e de tecnologia e, todos os dias, usufruímos de ambas sem nos interrogarmos sobre o que está por trás: quem são os detentores de direitos, como esses direitos são geridos e se estão a ser respeitados.

Muitas vezes partimos do princípio de que a criatividade é livre e gratuita, como se brotasse espontaneamente de uma fonte comum – ou como cogumelos no bosque. Mas não é assim: por trás de cada criação há alguém que investiu tempo, talento e esforço. E esse investimento merece proteção adequada e digna.

Não podemos aceitar que só beneficiem desse processo aqueles que nada contribuem para a criatividade, com o argumento demagógico de que tal serve também o interesse dos cidadãos. Os cidadãos devem compreender que nada é gratuito — tudo tem um valor intrínseco, de que alguém se apropria. E que, se não respeitarmos o esforço e os direitos dos outros, também o nosso deixará de ser respeitado.

Um problema de vontade política

O direito de autor, que durante séculos protegeu os criadores contra a exploração, está hoje a ser posto à prova como nunca. As legislações nacionais tentam adaptar-se, com maior ou menor sucesso, a um contexto global e digital onde os conteúdos são carregados, editados, copiados e monetizados em segundos. O problema não é apenas técnico — é de vontade política: se não se legisla com conhecimento do mundo criativo, corre-se o risco de favorecer os grandes operadores tecnológicos em detrimento dos autores individuais.

Tão importante como o direito de autor é o direito de imagem, frequentemente esquecido nos debates sobre propriedade intelectual. O rosto, a voz, os gestos de um artista fazem parte da sua identidade, da sua marca e do seu percurso. E hoje, essas identidades podem ser recriadas digitalmente com fidelidade inquietante. A tecnologia permite clonar vozes, gerar vídeos hiper-realistas, criar avatares falsos. Que acontece quando a imagem de um ator é usada sem consentimento para publicitar um produto? Ou quando uma voz artificial canta ao estilo de um cantor real?

Em muitos países, o direito de imagem não tem regulamentação clara ou específica. Em Espanha, por exemplo, é reconhecido como parte do direito ao bom nome, à intimidade e à própria imagem (Lei Orgânica 1/1982), mas a jurisprudência ainda está a construir critérios sólidos para lidar com casos envolvendo IA, redes sociais ou réplicas digitais. Isto gera insegurança jurídica para os artistas. E, pior ainda, um vazio normativo que os deixa indefesos face a práticas abusivas.

Informar em meios acessíveis e plurais

Daí a importância de informar. E não apenas em fóruns especializados, mas em meios acessíveis e plurais, onde os artistas possam compreender o que está a mudar – e como isso os afeta. Porque uma lei que não se conhece é uma lei que não protege. E num contexto onde a inovação avança mais depressa que o Diário da República, essa distância pode ser fatal para o criador.

Queremos fazer a ponte entre a lei e a vida artística – entre os textos legislativos, as relações contratuais e a prática quotidiana de quem vive do seu trabalho criativo, do seu estilo, da sua imagem.

Informar é empoderar. E, neste momento de transição, os artistas precisam de ferramentas, conhecimento e redes. Não podemos permitir que as mudanças legislativas passem despercebidas, nem que o discurso sobre a tecnologia se imponha sem um olhar crítico da cultura. Defender a arte não é um luxo: é uma tarefa coletiva, um ato de responsabilidade. E começa pelo conhecimento da realidade tecnológica e jurídica – e dos seus efeitos, presentes e futuros. A informação verdadeira e o conhecimento são a melhor garantia de um futuro mais justo.


Abel Martín Villarejo é advogado e diretor-geral da AISGE – Sociedad de Gestión de Artistas Intérpretes o Ejecutantes de España, entidade que representa essencialmente atores, bailarinos, dobradores e diretores de cena no setor audiovisual. A sua longa experiência na defesa dos direitos dos artistas, tanto no plano jurídico como institucional, confere autoridade à reflexão que aqui partilha e que foi originalmente publicada no boletim semanal da AISGE.

Quando temos de recorrer aos tribunais para garantir direitos

Os mecanismos de remuneração legal nem sempre funcionam como previsto. A luta por vezes arrasta-se até aos tribunais, acarretando custos elevados e um enorme desgaste para artistas e para as suas sociedades de gestão coletiva.

A remuneração justa dos artistas não é apenas uma aspiração ética ou política – é uma obrigação legal e um direito reconhecido pela legislação nacional e europeia. No entanto, a realidade com que os artistas se deparam continua a estar marcada por enormes desigualdades e dificuldades na obtenção de uma compensação equitativa pela exploração das suas prestações artísticas fixadas em obras audiovisuais ou fonográficas.

Em muitos casos, esta luta prolonga-se até aos tribunais, o que demonstra tanto a urgência de medidas mais eficazes como a resiliência dos intérpretes e das entidades de gestão coletiva que os representam.

Na prática, os mecanismos de remuneração legal nem sempre funcionam como previsto. Isso pode dever-se a lacunas legislativas, falta de vontade dos utilizadores ou resistência dos intermediários, levando os artistas e as suas entidades de gestão coletiva a recorrerem aos tribunais.

Esse recurso é um direito garantido, mas acarreta custos elevados, prazos longos e um desgaste emocional considerável. Ainda assim, tem sido muitas vezes o único meio de garantir aquilo que deveria ser óbvio: que os artistas sejam pagos pelo uso das suas interpretações ou execuções.

A GDA – Gestão dos Direitos dos Artistas tem estado na linha da frente desta luta, acionando mecanismos legais sempre que necessário para garantir que os direitos dos artistas não sejam apenas reconhecidos, mas efetivamente respeitados. Este esforço não é isolado nem exclusivo de Portugal. É um desafio comum a nível europeu, como ficou claro na mais recente conferência da AEPO-ARTIS (Association of European Performers Organisations, que reúne 37 organizações de gestão coletiva de artistas, incluindo a GDA), realizada no passado dia 27 de maio, em Bruxelas.

AEPO-ARTIS: apelo europeu por remuneração justa

Este ano dedicada ao tema “Performers’ FAIR Remuneration as an EU Objective”, a conferência anual da AEPO-ARTIS reuniu mais de 100 participantes, entre representantes de instituições europeias, governos nacionais, organizações culturais e membros da própria AEPO-ARTIS.

Durante o evento, foram destacados temas centrais como a urgência de garantir uma remuneração justa aos artistas, a importância da ratificação do Tratado de Pequim pela União Europeia – essencial para reforçar os direitos dos intérpretes a nível internacional – e os novos desafios colocados pela inteligência artificial, nomeadamente quanto à utilização das prestações artísticas em processos de treino de conteúdos por IA.

A conferência também abordou de forma crítica a Diretiva Europeia sobre Direitos de Autor no Mercado Único Digital (CDSM), cuja implementação, segundo diversos intervenientes, tem ficado aquém das expectativas no que diz respeito à melhoria das condições dos artistas.

Ficou clara a mensagem de que é preciso reforçar os direitos dos artistas, intérpretes e executantes, tanto através de legislação eficaz como de uma aplicação prática mais justa e abrangente. A remuneração justa não pode continuar a ser uma exceção – deve ser a norma sempre que haja utilização das prestações dos artistas.

Sistemas jurídicos robustos precisam-se

A conferência da AEPO-ARTIS reforça aquilo que a GDA defende há muito: que a remuneração justa não pode depender da sorte, da boa vontade das plataformas ou da capacidade de um artista suportar longos processos judiciais. Precisa de ser garantida por sistemas jurídicos robustos, aplicados de forma uniforme e eficaz.

A justiça para os artistas não deve depender da sua capacidade de litigar. Deve estar garantida à partida, por sistemas eficazes e respeitados.

A GDA continuará a atuar, em Portugal e na Europa, para que cada artista seja remunerado com justiça e reconhecimento. Porque um sector cultural forte começa com a valorização de quem o faz acontecer.

GDA torna-se membro da Global Audiovisual Alliance (GAVA)

A GDA deu mais um passo importante na consolidação da sua presença internacional. Aderiu à Global Audiovisual Alliance (GAVA) organização que assume a luta pelos direitos dos profissionais do audiovisual em todo o mundo.

A GDA oficializou, no dia 1 de junho de 2025, a sua adesão como membro efetivo à Global Audiovisual Alliance (GAVA), organização internacional sediada em Genebra, Suíça, que reúne entidades dedicadas à defesa dos direitos dos profissionais do setor audiovisual em todo o mundo.

A candidatura foi aceite nos termos dos Estatutos da GAVA e representa um passo importante na consolidação da presença internacional da cooperativa. Esta adesão reconhece a GDA como entidade representativa dos artistas intérpretes ou executantes portugueses e alinha a sua ação com os valores e objetivos globais da GAVA.

Ao integrar a GAVA, a GDA reforça a sua missão de assegurar uma gestão coletiva justa, transparente e eficaz dos direitos dos artistas, colaborando com outras organizações congéneres para influenciar políticas públicas, promover a equidade no setor e enfrentar os desafios globais que afetam os artistas intérpretes do audiovisual.

SpotLights: o podcast que anima a música independente portuguesa entra na reta final

Oito episódios depois, SpotLights, o ciclo de conversas do projeto IndieLights, aproxima-se do fim. Faltam apenas dois episódios para fechar a temporada, com transmissões marcadas para 4 e 11 de julho, no Canal Q às 22h40, e disponíveis no dia seguinte no Spotify e Apple Podcasts.

A boa notícia é esta: depois de 11 de julho SpotLights continuará vivo e gratuitamente disponível na plataforma QPlay, do Canal Q, em formato de vídeo, fincando a versão áudio no Spotify e na Apple Podcasts.

Apresentado pelo jornalista e crítico musical Rui Miguel Abreu, o programa estreou a 9 de maio e tem reunido vozes incontornáveis do universo musical português – da criação à gestão, da performance à investigação. E isso sempre com uma abordagem direta, curiosa e sem filtros.

Nesta reta final, os holofotes apontam para:

  • Dra. Clara Capucho, médica otorrinolaringologista especializada em voz, fundadora da única unidade de saúde vocal num hospital público português e consultora da GDA é a convidada do episódio de 4 de julho;
  • Yaw Tembe, músico, programador do Teatro do Bairro Alto e uma das vozes mais singulares da cena artística contemporânea, encerrará a temporada, no dia 11 de julho.

Ao longo das últimas semanas, passaram pelos estúdios da Blim Records nomes como Domingos Coimbra, Mariana Vargas, Sérgio Noronha, Beatriz Nunes, Mariana Lois, Teresa Lemos, Artur Figueiredo e Pedro Neves – numa seleção que atravessa estilos, territórios e gerações da música portuguesa.

O SpotLights é uma iniciativa do IndieLights, projeto da AMAEI em parceria com a GDA. O IndieLights é uma plataforma que promove a música independente portuguesa nas plataformas de streaming, através de playlists temáticas, com curadoria interna e de convidados da indústria.

Exportação da música portuguesa e o Mercado Único Europeu da Música

Apesar da inexistência de fronteiras físicas no espaço da União Europeia, subsistem barreiras invisíveis à circulação de música e músicos. O desenvolvimento de um mercado único europeu da música revela-se fundamental para facilitar a circulação transnacional de obras, artistas e serviços culturais.

Por Bruno Gaminha, diretor de Distribuição e de Sistemas de Informação da GDA

A mais superficial das análises feitas à evolução dos modos de produção, distribuição, consumo e fruição da música concluirá rapidamente que o atual contexto global é marcado por uma circulação intensiva de conteúdos culturais. Paradoxalmente um estudo de 2019 (relatório final: Music Moves Europe – A European Music Export Strategy)[1] indica que em média, apenas, 15% da música ouvida em serviços de streaming na UE provém de países europeus (excluindo o Reino Unido), ao passo que 42% é música originária dos Estados Unidos​.

Até mesmo o repertório britânico ocupa uma fatia maior do que toda a música continental europeia nos mercados da UE. Estes números ilustram a insuficiente circulação das obras europeias no próprio território europeu, revelando um potencial por explorar e uma integração europeia por construir.

Desenvolver um mercado único europeu da música revela-se fundamental para facilitar a circulação transnacional de obras, artistas e serviços culturais. Atualmente, apesar da inexistência de fronteiras físicas no espaço da UE, subsistem barreiras invisíveis que fragmentam o mercado musical.

Diferentes línguas, preferências culturais nacionais e uma viscosidade na circulação da música que resultam numa realidade em que cada país tende a consumir sobretudo a sua produção local e repertório anglo-americano, com pouca troca de repertórios intraeuropeus. Estes argumentos ilustram a insuficiente circulação das obras europeias no próprio território europeu, revelando um potencial por explorar. Um verdadeiro mercado único da música poderia equilibrar este panorama, reduzindo a dependência europeia de importações culturais extraeuropeias e incrementando a difusão recíproca das diversas músicas nacionais.

Para um país de pequena dimensão como Portugal isso significaria multiplicar a audiência alcançável sem sair do espaço comunitário – transformando um mercado doméstico de 10 milhões de pessoas num mercado interno europeu de mais de 450 milhões de consumidores. Obras portuguesas poderiam, assim, encontrar público na Alemanha ou na Suécia com a mesma facilidade com que hoje chegam a Coimbra ou ao Braga. Em última análise, a integração do mercado musical alinhar-se-ia com os princípios fundadores da UE de livre circulação – não apenas de bens e pessoas, mas também de ideias e criações culturais.

Desenvolver um mercado único europeu da música seria, portanto, uma forma de concretizar esse potencial, harmonizando regras e infraestruturas para que a circulação transnacional seja fluida. Além de ampliar as oportunidades para artistas e empresas, tal mercado único contribuiria para afirmar a autonomia cultural europeia num setor hoje globalizado. Em vez de 27 mercados fragmentados, a UE passaria a dispor de um espaço musical unificado e competitivo, apto a dialogar de igual para igual com os grandes blocos globais na promoção dos seus repertórios.

Pilares para a construção de um Mercado Único da Música

A concretização de um mercado único da música requer a construção de infraestruturas robustas em dois níveis: o conceptual, que abrange políticas, financiamento e redes de cooperação; e o físico/tecnológico, que inclui plataformas, logística e sistemas interoperáveis de dados e direitos.

Para um mercado único funcional, os decisores políticos devem assegurar a convergência de regras que hoje variam de país para país: desde as quotas de música local nas rádios, a introdução de quotas de música europeias, aos regimes de incentivo fiscal para produção cultural, até à justa remuneração dos artistas interpretes e executantes pelas utilizações da sua música no contexto digital.

Os modelos de financiamento são outro pilar conceptual. A criação de um mercado musical europeu exigirá investimentos em criação, promoção, formação e inovação.

Finalmente, a rede de cooperação cultural europeia precisa de se consolidar como estrutura de apoio a este mercado único. Um mercado único da música beneficiará de redes permanentes que unam festivais, salas, promotores, editoras e artistas europeus, criando circuitos onde um artista português possa facilmente ter acesso a palcos em Madrid, Berlim ou Estocolmo, e reciprocamente artistas dessas cidades venham a Portugal. Além disso, redes de formação e capacitação ampliariam as competências necessárias para operar internacionalmente, uniformizando conhecimentos sobre mercados estrangeiros, marketing digital ou gestão de direitos. Em suma, a infraestrutura conceptual consiste em alinhar políticas, viabilizar financiamento adequado e cultivar laços de cooperação pan-europeus.

A par das iniciativas conceptuais, a dimensão física e tecnológica da integração do mercado musical requer investimentos e coordenação em várias frentes. Um primeiro elemento central são as plataformas digitais. No contexto do mercado único, idealiza-se um ecossistema digital onde qualquer consumidor europeu possa aceder legalmente ao repertório de qualquer país da UE, sem restrições arbitrárias de catálogo ou localização. Isso implica aprofundar a interoperabilidade entre serviços de música online e talvez desenvolver plataformas agregadoras de conteúdo europeu. Embora serviços globais como Spotify, YouTube Music ou Apple Music já operem na maioria dos países europeus, há oportunidades para criar vitrinas dedicadas à música europeia nestas plataformas – por exemplo, através de secções específicas, playlists editoriais pan-europeias ou sistemas de recomendação que favoreçam descobertas transnacionais e o florescimento da diversidade cultural europeia.

Uma segunda componente física relaciona-se com os centros logísticos e de distribuição. Embora a música gravada hoje circule sobretudo em formato digital, o mercado musical abrange também artefactos físicos e, principalmente, espetáculos ao vivo. Para que haja um verdadeiro mercado único, é preciso facilitar a mobilidade física da música: isto significa simplificar a circulação de artistas e do seu equipamento, otimizar rotas de digressão europeias e até criar infraestruturas e centros de serviços partilhados.

Finalmente, a interoperabilidade tecnológica e de gestão de direitos constitui um elemento crítico desta infraestrutura. A indústria da música baseia-se numa teia complexa de informação (metadados de obras, identificadores, registos de utilização) e num sistema de remuneração de direitos de autor e conexos. Para um funcionamento transfronteiriço fluido, é necessário que os sistemas tecnológicos “conversem” entre si. Isto abrange a adoção generalizada de normas comuns como o código ISRC para identificar gravações, o ISWC para identificar obras, bem como a criação de bases de dados partilhadas ou interligadas a nível europeu. Atualmente, a identificação da origem e titularidade de uma música nem sempre é trivial quando se cruzam fronteiras – por exemplo, um artista português pode gravar em Espanha com uma editora holandesa; garantir que essa faixa seja devidamente rastreada e monetizada em toda a Europa requer sistemas inteligentes e integrados​.  

O papel da tecnologia e a participação da GDA

Na GDA temos estado intensamente envolvidos no desenvolvimento destes sistemas e na construção de uma infraestrutura tecnológica partilhada que permita responder à estratégia de criação de um mercado único europeu de música. O trabalho que temos desenvolvido no âmbito da SCAPR[2] (onde coordenamos o grupo responsável pela evolução e pelos  desenvolvimentos tecnológicos) tem permitido a construção de uma base de dados única mundial para a identificação unívoca de artistas, o IPD – que permite que cada artista interprete ou executante tenha uma identidade partilhável reconhecível em mais de 50 países – e o VRDB, base de dados partilhada por mais de 30 países que permite partilhar repertório (incluindo a lista de todos os músicos intérpretes e executantes que participam  em cada um dos fonogramas) e lista de obras utilizadas e que geraram direitos em cada um dos países.

Também temos estado envolvidos ativamente no desenvolvimento e implementação dos diferentes protocolos DDEX – padrão técnico internacional que codifica o padrão de troca de metadados de música e da coreografia envolvido na troca dos dados entre as diferentes partes interessadas – no nosso sistema de documentação e distribuição, garantindo a interoperabilidade e inclusão do espaço de dados da música portuguesa no ecossistema global de dados e metadados da música.


[1] European Commission: Directorate-General for Education, Youth, Sport and Culture, Factory 92, KEA European Affairs, Le bureau export, Music Austria, Smidt, P., Sadki, C., Winkel, D., Le Gall, A., Saraiva, N., Jacquemet, B., Hergovich, F., Kern, P., Demeersseman, M., Miclet, F., Dorgan, A., Pletosu, T.Sillamaa, V., Music moves Europe – A European music export strategy – Final report, Publications Office, 2020, https://data.europa.eu/doi/10.2766/40788
[2] SCAPR, Conselho das Sociedades para a Gestão Coletiva dos Direitos dos Artistas Intérpretes e Executantes. https://www.scapr.org