Entrevista a Luís Sampaio: A evolução do Programa MODE relatada por um dos seus fundadores

A edição de 2025 do MODE está já em andamento desde o início de novembro. Conversámos com Luís Sampaio, vice-presidente da GDA e um dos responsáveis pela concepção deste programa. Nesta entrevista, revela os desafios, as inspirações e o contributo que este projeto tem trazido à valorização do repertório dos artistas representados.

O Programa MODE é um marco na preservação e sistematização do repertório musical em Portugal. Desde 2011, com efeitos retroativos a 2008, o MODE tem incentivado artistas a declarar as suas participações, referenciar obras gravadas e entregar suportes áudio, garantindo a documentação e integração nos sistemas de monitorização. Mais do que um processo administrativo, é um instrumento que assegura memória, identidade artística e visibilidade para repertórios que, de outro modo, permaneceriam invisíveis.

O impacto é expressivo: ao longo de quinze anos, o MODE reuniu um acervo superior a 5.000 álbuns, documentou 65.000 faixas, cerca de 180.000 declarações de repertório e aproximadamente 310.000 participações artísticas. Anualmente, participam no programa, cerca de 1.000 artistas. Nesta entrevista, Luís Sampaio, músico e vice-presidente da GDA, faz o balanço de uma iniciativa da qual é um dos principais mentores.

A GDA e a Fundação GDA lançaram recentemente mais uma edição do Programa MODE. Pode explicar o que é o MODE e qual o seu objetivo principal?
O MODE é um programa criado para incentivar os artistas a declarar as suas participações artísticas, referenciar o repertório gravado e entregar os suportes áudio das obras em que participaram. Embora surja integrado, no site da Fundação, entre programas culturais que abrangem várias dimensões da criação artística, o MODE atua sempre sobre obras pré‑existentes: não intervém na criação, mas na fase posterior, assegurando a sua documentação, identificação e preservação e permitindo a sua integração nos sistemas de monitorização de música. Trata-se, por isso, de um instrumento cooperativo de organização e memória do repertório dos artistas que conferiram à GDA mandato de representação universal. Ao longo de mais de quinze anos, o MODE permitiu reunir um acervo que ultrapassa mais de cinco mil álbuns, constituindo uma memória estruturada da música gravada por artistas‑intérpretes e executantes representados pela GDA.

Como surgiu esta iniciativa?
O MODE nasceu em 2011, com efeitos retroativos a 2008, numa fase em que a GDA precisava de ultrapassar a limitação dos processos em papel. Até então, a declaração das participações artísticas era manual, demorada e suscetível de erros, com todos os riscos associados ao registo em papel. O MODE permitiu introduzir, pela primeira vez, sistemas digitais de declaração, abrindo caminho para a modernização tecnológica que hoje utilizamos.

Foi igualmente através do MODE que a GDA iniciou um procedimento sistemático de submissão do áudio dos álbuns aos sistemas de monitorização de música através de fingerprinting. Este passo foi determinante: permitiu integrar nos sistemas de identificação um vasto repertório independente produzido e editado em Portugal – contribuindo para que obras que, de outro modo, permaneceriam invisíveis, passassem a ser identificadas em rádios, televisões e outros utilizadores, tanto em Portugal como noutros países. Nada disto teria sido possível sem o contributo da Evelin Kuhnle. Mais tarde, com a entrada do Bruno Gaminha, a GDA consolidou de forma decisiva a modernização da sua organização interna e dos seus sistemas operacionais.

O MODE segue a lógica cooperativa de “colher para semear”?
Segue, num sentido específico. O MODE não semeia criação — essa é anterior — mas semeia organização, memória e sistema. Garante que o repertório gravado pelos artistas fica identificado e preservado, reforçando uma das responsabilidades estatutárias da GDA: proteger a identidade artística e a memória do trabalho dos seus representados.

É no MODE que a relação entre a GDA e a Fundação GDA se torna mais visível?
O MODE foi concebido e é definido pela GDA, no âmbito das suas responsabilidades legais e estatutárias. A Fundação GDA assegura hoje a gestão corrente do programa, integrando-o na sua área de programação cultural e garantindo a sua execução operacional em conformidade com as orientações da cooperativa. Esta articulação permite que o MODE beneficie da estabilidade operacional da Fundação sem perder a ligação à missão da GDA.

Como é financiado o MODE?
O MODE é financiado por uma percentagem dos direitos cobrados pela GDA, destinada por lei e pelos estatutos à ação cultural e social. É esta afetação específica que possibilita a existência de um programa como o MODE.

Quem pode participar?
Podem participar artistas‑intérpretes ou executantes que tenham conferido à GDA mandato de representação universal, até ao final do ano de referência, e que tenham participado na gravação de um álbum editado nesse ano.

E produtores?
Apenas se tiverem, simultaneamente, desempenhado funções enquanto artistas‑intérpretes ou executantes.

E os autores?
O MODE destina‑se exclusivamente a artistas com participações artísticas fixadas e declaradas na obra sonora. Os autores não são abrangidos pelo programa, exceto se tiverem igualmente desempenhado funções enquanto artistas‑intérpretes ou executantes.

Como funciona o processo de participação?
O processo decorre em duas fases:

  1. Referenciar o álbum – mediante entrega de um exemplar físico ou, no caso de edições digitais, através do formulário próprio.
  2. Declarar as participações artísticas – indicando, faixa a faixa, a natureza da participação artística fixada na obra sonora (por exemplo, intérprete ou executante).

Não existe qualquer avaliação artística ou distinção de mérito. O processo é exclusivamente documental.

Por que razão o MODE exige suporte físico mesmo para edições digitais?
Porque o MODE tem também uma função de acervo de longa duração. O CD permanece um suporte estável e amplamente reconhecido para arquivo de obras sonoras. Ao longo destes anos, esse acervo tornou‑se ainda um testemunho visual da edição musical em Portugal. A observação das capas – nos seus grafismos, tipografias e tendências – reflete a evolução das linguagens visuais dentro de cada género, sublinhando o interesse cultural de um arquivo construído com esta amplitude temporal.

Que balanço faz do MODE? Pode indicar alguns números?
O balanço é muito positivo. Entre 2008 e 2024, o MODE permitiu documentar mais de 65 000 faixas, cerca de 180 000 declarações de repertório e aproximadamente 310 000 participações artísticas fixadas e referenciadas – números que ilustram o alcance e a importância sistemática do programa.

Nas edições mais recentes, participam cerca de mil artistas por ano – números que ilustram o alcance do programa e a sua importância sistemática.

De que forma o MODE reforça a sustentabilidade das carreiras dos artistas?
Antes de mais, através da melhoria da qualidade da informação relativa às obras e às participações artísticas. Mas há também um impacto menos visível: o MODE permitiu integrar no sistema repertórios que, de outro modo, teriam presença residual nos serviços de identificação. Graças ao MODE, esses repertórios passaram a estar documentados, referenciados e integrados na dinâmica cooperativa.

Como vê o contributo do MODE a médio e longo prazo?
Vejo o MODE como um instrumento de estruturação: melhora a qualidade dos dados, reforça a identificação das obras e cria, a longo prazo, um acervo que terá grande valor documental, cultural e histórico.

Quais foram os maiores desafios?
O principal desafio foi tecnológico: abandonar o papel e instituir processos online fiáveis. Em paralelo, a introdução sistemática do áudio nos serviços de fingerprinting permitiu dar visibilidade a repertórios que anteriormente não eram identificados.

Em que se distingue o MODE de outros programas existentes em Portugal?
O MODE distingue‑se por ser um programa de sistematização, documentação e preservação do repertório gravado por artistas representados pela GDA, assegurando a sua correta identificação, referenciamento e integração nos sistemas de monitorização. Não existia em Portugal, antes do MODE, um programa com esta escala e continuidade dedicado a esta vertente do trabalho artístico.

Que planos existem para o futuro?
O MODE continuará a evoluir com a modernização dos sistemas de gestão e identificação de repertório. Há espaço para simplificar procedimentos e reforçar a dimensão arquivística do programa.

Que mensagem gostaria de deixar aos artistas que ainda não participam no MODE?
Participem. A declaração de repertório é o nexo indispensável entre a utilização de uma obra e o artista que nela participou. Sem essa declaração — que exige identificação inequívoca e responsabilidade do declarante — a GDA não pode proceder ao pagamento dos respetivos direitos.

Participar no MODE é um ato de responsabilidade profissional e, ao mesmo tempo, uma garantia de que o seu repertório fica integrado na memória coletiva da música gravada.

Atores e atrizes: este é um momento raro em que a vossa voz pode influenciar o futuro

A AEPO-ARTIS está a recolher dados junto dos intérpretes audiovisuais europeus no âmbito da avaliação da Diretiva Mercado Único Digital (MUD), cuja revisão está prevista para 2026. O inquérito encontra-se a decorrer e pode ser respondido até 10 de dezembro.

Não faltam apelos ao preenchimento — estão a circular nas redes, por email e SMS — mas este artigo quer sublinhar outra ideia: a força real da participação.

O precedente dos músicos

Em meados de 2024, milhares de músicos europeus responderam ao inquérito equivalente, a adesão foi tal que o estudo se tornou a principal fonte de dados sobre o impacto da diretiva no setor musical a nível europeu.
Hoje é amplamente reconhecido como o conjunto de informação mais completo, fiável e relevante disponível sobre o tema, e é por isso citado de forma recorrente pelas entidades envolvidas no processo de avaliação.

Ainda não produziu resultados legislativos — esse momento chegará apenas com a revisão prevista para 2026 — mas já se assumiu como a peça de referência indispensável para fundamentar decisões futuras.

Agora é a vez dos atores

O mesmo pode — e deve — acontecer no setor audiovisual.
Mas isso só será possível se cada intérprete assumir o poder que tem nas mãos.

Responder ao inquérito é simples e rápido.
O que está em causa, porém, é decisivo: o modo como o vosso trabalho será regulado e remunerado no digital nos próximos anos. Sem dados sólidos fornecidos pelos próprios profissionais, a revisão da diretiva arrisca-se a ser construída sobre suposições.

Participar é exercer influência

Se há um momento em que cada resposta pode fazer diferença, é este.
É aqui que se revela o único poder verdadeiramente nosso: o de transmitir factos sobre a realidade da profissão antes de serem tomadas decisões que afetarão condições de trabalho, rendimentos e estatuto profissional.

As oportunidades de influenciar políticas europeias são raras.
Esta é uma delas.

Participe até 10 de dezembro.
A sua voz conta — e conta agora.

Responda ao inquérito aqui

GDA nos Horizontes Vivos com masterclass sobre IA e Direitos

Bruno Gaminha, Diretor de Distribuição e Sistemas de Informação da GDA, desafiou o jornalista e autor Jorge Pereirinha Pires para uma conversa em formato de masterclass

No passado sábado, dia 15 de novembro, a GDA marcou presença no evento Horizontes Vivos, uma iniciativa promovida pela Visapress em parceria com o Gerador. A nossa participação centrou-se num dos temas mais prementes da atualidade: o impacto da Inteligência Artificial no mundo criativo.

Num formato de masterclass aberta, Bruno Gaminha – Diretor de Distribuição e Sistemas de Informação da GDA – desafiou o conceituado jornalista Jorge Pereirinha Pires para uma conversa sobre o tema “IA, Criação e Direitos – Jornalistas e Artistas na Mesma Encruzilhada”.

A conversa partiu de uma premissa clara: a rápida incorporação da IA coloca jornalistas e artistas perante dilemas semelhantes. A tecnologia promete ganhos de eficiência e novas formas de produção, mas levanta questões urgentes sobre autoria, transparência, remuneração e a própria sobrevivência de setores como o jornalismo. O debate centrou-se na necessidade urgente de defender a autoria, a ética e os direitos dos artistas num cenário em que as fronteiras entre a criação humana e a produção automática se tornam cada vez mais difusas, e onde o uso de conteúdos humanos para treino de modelos sem justa remuneração ameaça a integridade da criação.

Para enriquecer este debate e proporcionar uma base sólida de reflexão, a GDA preparou um conjunto de leituras e estudos sobre esta matéria. Intitulado “IA, criação e direitos – jornalistas e artistas na mesma encruzilhada”, este recurso reúne documentos de organizações como a UNESCO, Reuters Institute, IFPI, AEPO-ARTIS e o Parlamento Europeu.

Esta coletânea traça um panorama atualizado de como a imprensa e as artes performativas enfrentam os mesmos desafios estruturais, destacando a convergência de lutas pela defesa de modelos éticos e sustentáveis. Estes textos revelam que a proteção do trabalho criativo, seja jornalístico ou artístico, depende cada vez mais de respostas políticas e regulatórias conjuntas.

Consulte aqui os artigos e estudos compilados pela GDA.

A GDA quer continuar na linha da frente destas discussões, defendendo os interesses dos artistas. A velocidade da máquina confronta-se com a singularidade humana, e a nossa missão é garantir que o valor do gesto criativo é protegido e remunerado.

GDA e outras entidades de gestão perplexas com proposta da IL para eliminar taxa da cópia privada

As entidades de gestão coletiva de direitos estão em desacordo com a proposta de alteração protagonizada pela Iniciativa Liberal. Consideram que a cópia privada é “indispensável” no apoio à proteção dos direitos de autor e conexos, bem como um importante instrumento de promoção da atividade criativa.

As entidades de gestão coletiva de direitos de autor e conexos que compõem a Associação para a Gestão da Cópia Privada (AGECOP) manifestam “estranheza e perplexidade” face à proposta avançada pela Iniciativa Liberal (IL) de alteração ao Orçamento de Estado para 2026 (OE2026) que visa eliminar a taxa da cópia privada.

Num comunicado conjunto dirigido aos deputados à Assembleia da República, a GDA e as restantes entidades que compõem a AGECOP – APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), AUDIOGEST (Associação para a Gestão e Distribuição de Direito), GEDIPE (Gestão Coletiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais), SPA (Sociedade Portuguesa de Autores) e Visapress (responsável pela defesa dos direitos de editores e criadores de conteúdo jornalístico) – criticam a proposta.

Abaixo reproduzimos o teor da mensagem.


EXMOS. SENHORES DEPUTADOS

As entidades de gestão colectiva abaixo identificadas vêm, por este meio, manifestar a sua total estranheza e perplexidade relativamente à proposta de alteração ao Orçamento de Estado para 2026 submetida pelo partido Iniciativa Liberal e que visa “eliminar a taxa da cópia privada”.

Ao contrário do que é afirmado na justificação da referida proposta (superficial, o que se admite ser por desconhecimento) a cópia privada constitui um precioso e mesmo indispensável apoio à protecção dos direitos de autor e conexos e à promoção da actividade criativa como, aliás, ocorre na generalidade dos países europeus.

Recorde-se que, por exemplo, no período da pandemia COVID19 foi a cópia privada que permitiu assegurar uma retribuição mínima aos titulares de direitos, de todas as áreas da criação, numa altura em que os autores, os artistas e todo o ecossistema criativo se encontravam paralisados e impedidos de prosseguir a sua actividade.

E, se a cobrança obtida através da cópia privada é uma retribuição para os titulares de direitos pela utilização das suas obras, não é menos despiciente o facto de atribuir 20% da sua receita ao Fundo Cultural. Estas verbas têm vindo ao longo dos anos a apoiar milhares de projectos, na música, na literatura, no audiovisual, nas artes plásticas, na imprensa, no teatro, na dança entre outros, sendo o maior apoio no país à criação artística, quer para os nomes mais consagrados, quer para os mais novos que, sem ele, muito dificilmente conseguiriam chegar ao mercado.

Não é demais recordar que o sector cultural e criativo representa cerca de 3,3% do PIB nacional e 3,39% do PIB mundial, gerando na União Europeia 17 milhões de empregos. A Cultura, para além do contributo para a economia, é um elemento fundamental para a coesão social, para a cidadania activa e para o enriquecimento intelectual, moral e espiritual de uma sociedade.

A Lei da Cópia Privada tem o seu escopo na Directiva 2001/29/CE, existe em quase todos os países da Europa, e está plenamente fundamentada e alinhada com a posição prevalecente e harmonizada defendida pelos órgãos comunitários, Tribunal de Justiça, Parlamento Europeu, Comissão Europeia e Conselho da UE, além de reflectir a tendência comparada observada pela IRIS do Observatório Europeu do Audiovisual.

Acresce que este mecanismo de compensação equitativa aos titulares de direitos pela utilização do seu trabalho em nada prejudica o Estado ou as contas públicas. A sua eliminação não só não beneficiaria os consumidores como lesaria gravemente toda a indústria criativa – no país mais de 50 000 autores, artistas, editores de imprensa, produtores – com as inevitáveis repercussões no ecossistema criativo numa época em que a Inteligência Artificial paira como ameaçadora nuvem negra.

É essencial que esta proposta da IL não seja aprovada, sob pena de fazer o Estado Português incorrer em responsabilidade por incumprimento de uma Diretiva da UE e de prejudicar os titulares de direitos eliminando uma das formas mais eficazes e adequadas de compensação de que todos beneficiam.

Porque, citando o prémio Nobel José Saramago, “sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir”, os subscritores confiam que a Assembleia da República honre a memória de uma iniciativa que, em 1989 e em 2004, fez justiça, assumindo a responsabilidade que a sua existência justifica.

 

Lisboa, 21 de Novembro de 2025

AGECOP, APEL, AUDIOGEST, GDA, GEDIPE, SPA e VISAPRESS