Diretiva MUD perpetua injustiças no streaming

Cinco anos depois da sua aprovação, a diretiva da União Europeia sobre o Direito de Autor no Mercado Único Digital (MUD) não trouxe justiça à economia do streaming. Apenas 2,27% dos músicos portugueses estão satisfeitos com as receitas que recebem das plataformas de streaming. No total 95,44 % consideram que a repartição dessas receitas não é justa.

A diretiva europeia aprovada em 2019 que teve como um dos seus objetivos principais trazer justiça na repartição de receitas no streaming, está longe de ser um sucesso, revela o estudo O Impacto da Diretiva MUD nos Artistas e Músicos da EU, recentemente publicado.

Envolvendo uma amostra de 9.542 artistas de 18 países europeus, dos quais cerca de mil portugueses, este estudo de opinião foi promovido em Portugal pela GDA, a entidade que gere em território nacional os direitos de propriedade intelectual de artistas intérpretes e executantes (atores, bailarinos e músicos), e coordenado a nível europeu pela AEPO-ARTIS (uma organização de artistas pan-europeia de que a GDA faz parte e que representa cerca de 700 mil artistas do audiovisual e música).

Este trabalho, que contou ainda com a colaboração da Organização Internacional dos Artistas (IAO), foi o maior estudo de opinião alguma vez levado a cabo em toda a UE sobre questões relacionadas com artistas da indústria musical. Os resultados da sondagem foram analisados pelo investigador independente da indústria musical, Daniel Johansson (Universidade de Ciências Aplicadas de Inland, Noruega).

O estudo completo pode ser descarregado aqui.

Além, de um elevado grau de insatisfação com as receitas auferidas, o estudo revela ainda que apenas 4,56% dos artistas portugueses considera justa a repartição das receitas do streaming. Ou seja, 95,44% considera-a injusta.

“Estes resultados não nos surpreendem”, afirma Pedro Wallenstein, presidente da GDA. Os valores relativos a Portugal contrastam com os de outos países, como a Suécia, onde 20,17% considera justa a repartição.

“Essas discrepâncias explicam-se com a qualidade díspar das transposições da diretiva em cada Estado-membro. Em Portugal, a transposição ficou muito aquém do espírito da diretiva, ao ter permitido que muitos artistas ficassem sem receber qualquer parcela dos rendimentos gerados pelas suas obras no mercado digital”, afirma Pedro Wallenstein.

Em junho de 2019, a UE adotou a diretiva sobre o Direito de Autor no Mercado Único Digital (“diretiva MUD”). No seu capítulo 3, reconheceu a posição frágil dos músicos e obrigou os Estados-membros da União a implementarem legislação que garantisse a todos os artistas uma remuneração justa.

Especificamente, essa legislação tem de garantir aos artistas direitos efetivos, nomeadamente o de receber uma remuneração apropriada e proporcional, obter informação transparente sobre a exploração das suas gravações, reivindicar uma remuneração adicional justa, recuperar direitos das companhias discográficas em certas situações e recorrer à resolução alternativa de litígios.

O estudo conclui que ainda existem lacunas na eficácia da legislação. Consequentemente, este relatório sugere a necessidade de medidas adicionais por parte da UE, dos Estados-membro e da indústria musical. “Espera-se que os dados apresentados sirvam como um catalisador para o desenvolvimento e implementação de tais medidas adicionais”, refere Daniel Johansson.

As principais conclusões ao nível da UE incluem:

  • Apenas 5,1% dos artistas inquiridos consideram a sua receita de streaming satisfatória, com disparidades significativas entre os Estados Membros.
  • Em relação à transparência, aproximadamente 77% dos artistas europeus da UE não receberam o nível de informação detalhada a que tinham direito legalmente.
  • Num grupo de 4.215 artistas que tentaram ajustar os seus termos contratuais para receber remuneração adicional, apenas 35 o conseguiram.
  • Apenas 5,9% dos artistas da UE tentaram recuperar os seus direitos e, desses, 69,4% não o conseguiram.
  • A possibilidade de resolução alternativa de litígios (projetada para evitar processos onerosos e minimizar a hostilidade entre as partes) foi pouco utilizada e, quando foi, a maioria dos artistas (60%) não a considerou útil.

Em relação aos músicos de sessão, que não recebem remuneração pelo streaming, o autor afirma que “uma vez que os músicos de sessão (executantes) não têm direito a qualquer remuneração resultante do streaming, é imperativo fornecer recomendações a nível da UE sobre a possibilidade de os Estados Membros introduzirem tal direito de remuneração.”

Ao completar a pesquisa, 1.228 artistas optaram por fornecer comentários sobre as suas carreiras e a indústria musical em geral. Uma análise ao tom desses comentários revelou que apenas 21 poderiam ser considerados positivos.

Apenas os governos dos Estados Membros da UE podem responder às inúmeras dúvidas dos artistas. É uma responsabilidade sua implementar legislações que tornem a diretiva MUD eficaz e este relatório mostra, sem sombra de dúvida, que até agora os governos falharam.

“Este estudo revela a necessidade premente de se reabrir na Europa e, especialmente em Portugal, a discussão em torno da diretiva”, enfatiza Pedro Wallenstein, presidente da GDA.

O Secretário-Geral da AEPO-ARTIS, Ioan Kaes, comenta: “Este relatório deveria ser leitura obrigatória para os governos nacionais em toda a UE e na restante Europa (incluindo o Reino Unido). Os legisladores devem olhar para o impacto diminuto desta diretiva e proceder às mudanças legislativas necessárias para garantir que o objetivo principal da diretiva – remuneração justa – seja alcançado.”