Estatuto dos Profissionais da Cultura: Proposta do Governo aquém do esperado

Se a proposta do Governo não sofrer alterações, o Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura pode suscitar o desinteresse dos profissionais aos quais se dirige.
A GDA sugere diversas propostas de alteração.

A necessidade de uma lei que regule o Estatuto dos Profissionais da Cultura é, há décadas, uma aspiração de quem trabalha neste setor. Um setor marcado por inúmeras especificidades e que, histórica e reiteradamente, não tem obtido respostas ou soluções que permitam alcançar um nível minimamente adequado de proteção social para os seus trabalhadores.

O Conselho de Ministros aprovou, a 22 de abril, uma proposta de Estatuto dos Profissionais da Cultura que abrange o registo profissional, o regime laboral e o regime contributivo. Essa proposta esteve em consulta pública até ao dia 17 de junho. A GDA participou nos trabalhos de elaboração deste Estatuto, em reuniões bilaterais de trabalho com o Ministério da Cultura, à semelhança de um conjunto alargado de estruturas da área cultural. Nesta fase final, a GDA sujeitou um documento à consulta pública, no qual sugere diversas melhorias à versão preliminar apresentada pelo Governo.

“A proposta do Governo parte de um pressuposto meritório, sugerindo a melhoria do regime de apoio social para todos os trabalhadores da Cultura, mas apresenta condições efetivas que ficam muito aquém das expetativas. Isto pode levar ao desinteresse dos profissionais relativamente à adesão ao próprio Estatuto, o que seria uma oportunidade histórica perdida num momento particularmente decisivo para o sector cultural”, refere Miguel Guedes, membro da direção da GDA, que tem acompanhado todo este processo desde o seu início.

Um dos exemplos destacados pela GDA é o facto de ser necessário esperar dois anos, após a sua entrada em vigor, para que o diploma possa ser revisto. Na perspetiva da GDA, trata-se de um tempo excessivo para aferir o grau de adesão dos profissionais ao Estatuto, o que pode prejudicar a análise dos dados e ensinamentos recolhidos, bem como prejudicar a correção das críticas e observações suscitadas pela aplicação do diploma.

“A fragilidade económica e a consequente exposição ao risco a que os profissionais da Cultura se encontram sujeitos, impõem prazos de análise e de intervenção muito mais curtos”, destaca Miguel Guedes.

A comissão de acompanhamento da aplicabilidade do diploma tem que ter a possibilidade de sugerir a introdução atempada de correções que permitam a adesão dos profissionais e maior abrangência do Estatuto. Como tal, a GDA sugere que a revisão seja realizada ao fim de um ano. Tal permitiria aferir o impacto do Estatuto nos primeiros meses de vigência e atuar em tempo útil, suprimindo eventuais bloqueios ou divergências.

Outro fator que pode levar ao desinteresse de muitos profissionais da Cultura é o facto da acumulação do trabalho artístico com o regime de trabalho dependente não qualificar esses profissionais para a isenção contributiva prevista no Estatuto, uma vez que aumenta os descontos e a carga burocrática. O novo regime torna-se, assim, redundante e mais oneroso para muitos.

“O Estatuto pode criar situações em que um incumprimento, em determinado período, pode gerar dois processos de contraordenação. Quem está, em simultâneo, no regime geral da segurança social e no regime especial dos trabalhadores da Cultura pode ser prejudicado”, adverte Luís Sampaio, vice-presidente da GDA.

Na perspetiva da GDA, o regime contraordenacional deveria impedir duas coimas simultâneas para o mesmo período contributivo, ou qualquer outro agravamento.

GDA criou grupo de trabalho para acompanhar o Estatuto

A GDA participou, a convite do Governo, nas reuniões bilaterais que o Ministério da Cultura realizou com as estruturas representativas do setor, no sentido de colher contributos para a elaboração do Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura.

Nesse contexto, foi criado um grupo de trabalho na GDA, coordenado por Miguel Guedes, que contou com a assessoria jurídica do escritório de Advogados Espanha & Associados e a colaboração do advogado especialista em propriedade intelectual Augusto Portela.

Este grupo de trabalho marcou presença em todas as reuniões agendadas pelo Ministério da Cultura, nas quais a participação da GDA se centrou no propósito de contribuir, de forma informada e equilibrada, para um novo paradigma que assegurasse a efetiva proteção social para todos os profissionais da Cultura e para os Artistas em particular.

A participação da GDA pautou-se pelos valores em que assenta toda a sua atividade: o apoio aos Artistas e ao desenvolvimento das suas carreiras, bem como a defesa dos direitos dos seus cooperadores.

Durante esse processo, a preocupações da GDA dirigiram-se a quatro grandes objetivos:

· Abrangência: o Estatuto deveria ser tão amplo e abrangente quanto possível, quanto às matérias a serem incluídas e incluir todas as profissões culturais;

· Especificidade: o Estatuto deveria conter soluções especificas para necessidades sentidas pelos profissionais da cultura, como conter uma proposta para a reconversão profissional;

· Efetividade: o Estatuto deveria conter soluções adequadas à realidade artística. Neste sentido, foi disponibilizada uma análise de algumas soluções de direito comparado em vigor em alguns países europeus que pudesse suscitar a análise desses sistemas e a potencial aplicabilidade de algumas dessas soluções ao nosso país;

· Emergência: dado o atual contexto de pandemia, o Estatuto deveria ser adaptado ao contexto atual e futuro da comunidade artística.

“Procurámos colocar o atual paradigma de desproteção social da comunidade artística no centro do debate”, destaca Pedro Wallenstein, presidente da GDA. “A nossa intervenção não poderia deixar de ser no sentido de contribuir para reduzir a precariedade do sector, assim como para discutir a criação dos instrumentos e meios para que a comunidade artística resista a situações limite como a atual”, afirma.

Ao Governo e a todas as estruturas representativas presentes nas reuniões bilaterais com o Ministério da Cultura, a GDA disponibilizou informação técnica e conhecimento comparado, procurando contribuir para que todos, nomeadamente o legislador, possam formar opinião e tomar decisões em linha com as melhores práticas internacionais.

Desse modo, apresentou “O Estatuto do Artista nas Jurisdições Europeias”, um estudo de Direito comparado de cinco países europeus – Alemanha, Bélgica, Espanha, França e Itália – sobre as matérias de Direito Laboral, Direito da Segurança Social e Direito Fiscal dos profissionais da área da Cultura.

Conheça

A proposta do Governo

Documento da GDA submetido à consulta pública

O Estatuto do Artista noutras jurisdições europeias