Caro Cooperador,
Como é público, está para breve a discussão na Assembleia da República da proposta legislativa que vem finalmente actualizar o enquadramento legal da Cópia Privada.
Esta lei regula a compensação que é devida aos Criadores pela faculdade concedida aos consumidores de poderem efectuar cópias de obras protegidas pelo Direito de Autor e Direitos Conexos na sua esfera privada.
Esta compensação, que não é actualizada desde 1998 é, nos termos da Lei, responsabilidade dos fabricantes e distribuidores dos suportes e dispositivos a que se aplica.
A actual redacção apenas incide sobre as vendas de cds e dvds, cassetes vídeo e áudio e respectivos gravadores, entretanto obsoletos, levando a que os montantes pagos por esta indústria tenham vindo progressivamente a baixar, a ponto de se tornarem irrisórios.
A proposta legislativa não corresponde inteiramente ao justo equilíbrio entre as necessidades dos Criadores e os interesses do mercado mas, apesar de tudo, a nova Lei da Cópia Privada trará Portugal para a realidade tecnológica do século XXI, e coloca-nos finalmente a par da prática em quase todos os países europeus.
É por isso necessário garantir a sua aprovação sem acrescidos cortes ou reduções que desonerem as responsabilidades de uma das mais poderosas indústrias multinacionais – a das Tecnologias da Informação e Comunicações (TIC).
Quem beneficia com o actual estado de coisas
Actualmente o maior beneficiário da Cópia Privada é a indústria das TIC.
A realidade, contrariando a sua estratégia de reconduzir periodicamente a questão para a dinâmica interna de cada um dos estados, prova que a mecânica de formação de preços nestes produtos obedece a uma lógica transnacional, em que o peso da nossa compensação é praticamente nulo.
Paradoxalmente arvorada em paladino dos consumidores, a indústria vem há décadas inflamando cidadãos e internautas contra a Cópia Privada, explorando de forma muito inteligente os mais primários ou legítimos impulsos do descontentamento ocidental.
Dentro de uma estratégia mais lata, a campanha contra a Cópia Privada é assim o primeiro, e mais fácil passo no sentido de uma progressiva desvalorização, ou mesmo anulação, dos direitos económicos dos Criadores.
Enquanto tenta essa depreciação do trabalho artístico, a indústria lança no mercado uma multitude de suportes e dispositivos, muito lucrativos, cuja única ou principal finalidade é a replicação e difusão de Obras artísticas, literárias, científicas ou técnicas.
O resultado é que nunca as obras musicais e audiovisuais foram tão omnipresentes e tão quotidianamente acessíveis à generalidade das populações, e nunca a actividade de Artistas, Autores, Editores e Produtores se viu tão progressivamente desvalorizada, como todos sentimos na pele ao longo dos anos.
A actualização da lei da cópia privada, apesar de não ser a ideal, principalmente por não permitir qualquer recuperação dos prejuízos acumulados nos últimos anos, é um progresso no bom sentido: defender e valorizar o trabalho artístico, hoje e amanhã.
Importa agora que os Artistas dediquem alguma reflexão, tanto a esta temática como aos respectivos impactos no futuro da sua actividade, que tomem a posição que melhor entenderem, seja nos locais de trabalho, junto dos colegas, dos amigos, no café ou nas redes sociais, mas sobretudo dirigindo-a ao Parlamento e aos Deputados, a quem caberá, com serenidade, profundidade e longe do circo mediático a que temos assistido, ponderar e dar justa forma ao equilíbrio dos vários interesses em causa.
Com as melhores saudações artísticas,
Pedro Wallenstein
Presidente da Direcção da GDA