Os recentes desenvolvimentos da inteligência artificial generativa (IA generativa) poderão ter um impacto sem precedentes na indústria audiovisual, suscitando um crescente rol de preocupações entre os atores e demais profissionais criativos, confrontados com questões sobre direitos económicos, direitos morais e de personalidade e ainda a sustentabilidade das suas carreiras.
Esse foi o assunto mais intensamente discutido no quarto encontro do Actor’s Summit, que decorreu em Londres, a 22 de outubro, tendo contado com a participação de Claudia Cadima, diretora de Relações Internacionais da GDA.
O Actor’s Summit é um fórum de atores que emergiu do seio da SCAPR e AEPO-ARTIS (duas entidades internacionais que agrupam organizações de gestão de direitos de artistas) para refletir sobre questões específicas da classe.
“Entre os atores de todo o mundo é consensual que o advento da AI generativa representa um dos maiores desafios e ameaças de sempre para os atores”, afirma Claudia Cadima.
Segundo a atriz, uma das maiores preocupações do momento prende-se com o uso da voz e da imagem dos atores sem o consentimento devidamente informado e compensação adequada.
“Para lá da especial atenção que mais do que nunca devem agora prestar aos contratos que assinam, o patamar mínimo que neste momento se impõe aos atores é o de exigirem o seu consentimento explícito e informado para qualquer uso da sua imagem ou voz para criar modelos de inteligência artificial generativa”, sublinha.
O uso não regulado da IA generativa na criação de atuações e vozes digitais, levanta sérias preocupações sobre a substituição de talentos humanos por avatares digitais.
Desequilíbrios vários
Das inquietações manifestadas pelos artistas resultaram, nos últimos meses, uma miríade de iniciativas e de documentos com informação que visa dar orientações e sugestões aos artistas de como se protegerem.
É o caso, entre outros do TV/Theatrical Contract AI Proposal, produzido pela organização sindical norte-americana SAG-AFTRA. Mas também da GDA que, no verão passado, publicou no seu website um guia para ajudar a mitigar o impacto da utilização de IA Generativa no meio artístico.
O uso da imagem e da voz sem o devido consentimento informado ou compensação adequada tem sido uma prática corrente que abre portas a abusos diversos, como “atuações digitais” criadas ou replicadas.
Além disso, verifica-se uma total inadequação e desequilíbrio no processo de negociação dos contratos. Muitas vezes a proteção e o respeito pelos direitos dos artistas são preteridos em relação aos interesses comerciais das empresas de entretenimento e de tecnologia.
Acontece com frequência que os contratos são formulados sem pormenorizarem ou limitarem claramente a utilização das prestações artísticas para desenvolverem modelos de IA. Desse modo, cria-se uma névoa na regulação dos contratos, onde os artistas acabam por perder o controlo sobre a utilização das suas prestações artísticas.
O encontro de Londres teve como convidado virtual Duncan Crabtree-Ireland, um proeminente dirigente da SAG-AFTRA, que desempenhou um papel crucial na recente greve de atores de Hollywood. Foi ele quem liderou as negociações com os grandes estúdios, tendo sido a sua atuação fulcral em todo o processo.
No Actor’s Summit, partilhou o seu valioso conhecimento sobre o que está a ocorrer nos EUA, que em muito contribuíram para o debate acerca da necessidade de práticas éticas e de uma regulação clara sobre a utilização de prestações artísticas para a criação de modelos de IA Generativa e a sua utilização..
Iniciativas multiplicam-se
A criação de padrões claros e transparentes e a regulamentação são aspetos essenciais para equilibrar a inovação com os direitos dos humanos, nomeadamente com os direitos associados à utilização da propriedade intelectual. A evolução deve ir no sentido de a IA ser uma ferramenta de apoio à criatividade, mas nunca um substituto que coloque em risco a sustentabilidade do trabalho dos intérpretes.
Foi também, no final de outubro, que uma carta conjunta da AEPO-ARTIS e de outras organizações do setor das indústrias criativas, dirigida aos decisores europeus, insistiu na necessidade de regras claras que respondam ao uso intensivo de propriedade intelectual para criar modelos de IA.
Nessa carta apela-se uma implementação “significativa” da recente legislação europeia sobre IA, de forma a permitir que criadores e titulares de direitos exerçam e façam valer os seus direitos, quando o seu trabalho é usado para treinar modelos de IA.
Esse apelo dirigido aos legisladores da União Europeia, teve como objetivo sensibilizar os organismos europeus para a necessidade de uma regulamentação que salvaguarde os direitos dos artistas.
Esta ação reforça e é reforçada por outras que pedem à indústria o compromisso ético de priorizar o valor humano e criativo em todas as suas práticas.
É o caso de uma curta Declaração sobre o treino da IA, que já foi assinada por quase 34 mil pessoas e que, quem nos estiver a ler, ainda pode subscrever aqui.
Esse movimento, que continua em crescimento, destaca a importância de um sistema de compensação que reflita o valor real do contributo dos artistas considerando que a inovação tecnológica deve coexistir com o reconhecimento e respeito pelos direitos humanos e trabalho humano, impulsionando a criatividade humana.
«Não pedimos para travar a inovação, apenas para se definirem os parâmetros para uma coexistência equilibrada. A IA deve ser uma aliada para enriquecer o trabalho artístico, mas não pode comprometer os valores éticos e a sustentabilidade de carreiras», conclui Claudia Cadima.