A rápida incorporação da Inteligência Artificial nos campos da comunicação e das artes tem colocado jornalistas e criadores perante dilemas semelhantes. A tecnologia promete ganhos de eficiência, novas formas de produção e ampliação do acesso à informação e à cultura. No entanto, também levanta questões urgentes sobre autoria, transparência, remuneração, ética e concentração de poder nas grandes plataformas tecnológicas.
Durante o recente encontro “Entre a Arte e o Algoritmo: Do Medo à Descoberta”, promovido pela SPA, Arlindo Oliveira explicou o funcionamento dos mecanismos de aprendizagem automática e a forma como são treinados para extrair e catalogar informação de tudo aquilo que já foi produzido nas mais variadas áreas, da ciência à literatura. Todavia, deixou uma nota de esperança: “o facto da tecnologia produzir não quer dizer que nós não continuemos a escrever e a compor com a nossa particular sensibilidade”. Mais complexa, reconheceu, será “a sobrevivência do jornalismo” ou o “destrinçar dos direitos de autor”.
As suas palavras lembram que o avanço da IA desafia tanto o jornalismo como as artes: a automatização da escrita, a erosão da confiança pública e o uso de conteúdos humanos para treino de modelos sem justa remuneração ameaçam a integridade da criação. A velocidade da máquina confronta-se com a singularidade humana, e, em ambos os casos, impõe-se repensar o valor do gesto criativo e os enquadramentos jurídicos e éticos que o devem proteger.
Provenientes de organizações como a UNESCO, Reuters Institute, IFPI, AEPO-ARTIS e o Parlamento Europeu, entre outras, os documentos e estudos que compilamos abaixo traçam um panorama atualizado dessa transformação. Juntos, revelam como a imprensa e as artes performativas enfrentam os mesmos desafios estruturais: o uso de conteúdos humanos no treino de sistemas generativos, a necessidade de licenciamento claro e consentido, e a defesa de modelos éticos e sustentáveis para o futuro da criação e da informação.
Esta coletânea destaca ainda iniciativas convergentes e casos jurídicos emblemáticos, mostrando que a proteção do trabalho criativo, seja jornalístico ou artístico, depende de respostas políticas e regulatórias conjuntas numa era cada vez mais mediada por algoritmos.
Imprensa / Jornalismo
Thomson Reuters Foundation – Journalism in the AI Era: Opportunities and Challenges in the Global South and Emerging Economies (jan. 2025)
Analisa o impacto da IA em redações de contextos diversos, mostrando como a automação pode ampliar o acesso à informação e também aprofundar desigualdades. Inclui exemplos práticos de investigação, verificação de factos e produção assistida por IA.
https://www.trust.org/wp-content/uploads/2025/01/TRF-Insights-Journalism-in-the-AI-Era.pdf
UNESCO – WPFD 2025: Exploring the Future of Journalism in an AI-Driven World (mai. 2025)
Documento central do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa 2025, que alerta para concentração de poder tecnológico e manipulação informativa. Defende transparência algorítmica e proteção dos direitos dos jornalistas.
https://www.unesco.org/en/articles/wpfd-2025-exploring-future-journalism-ai-driven-world
Reuters Institute – AI and the Future of News 2025 (mar. 2025)
Síntese de dados de dezenas de redações sobre o uso de IA generativa em fluxos de trabalho e modelos de negócio, com alerta para dependência das grandes plataformas.
https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/ai-journalism-future-news
Música / Artes Performativas
IFPI – Global Music Report 2025
Capítulo específico sobre IA e direitos: necessidade de licenciamento transparente para treino de modelos, respeito pelos intérpretes e novas formas de remuneração baseadas em dados.
https://www.ifpi.org
AEPO-ARTIS – Artificial Intelligence and Performers’ Rights (abr. 2025)
Posição europeia dos artistas-intérpretes: treino de sistemas generativos sem consentimento/remuneração. Propõe transparência, consentimento e compensação; recomendações para transposição do AI Act e reforço da gestão coletiva.
https://www.aepo-artis.org/
Generative AI in Music Market 2025–2029: Key Trends
Estudo de mercado sobre a expansão da música gerada por IA e impactos económicos. Crescimento de plataformas de composição/masterização automatizada reforça urgência de fronteiras legais.
https://www.globenewswire.com/news-release/2025/08/19/3135496/0/en/Generative-AI-in-the-Music-Industry-2025-2029-Key-Trends.html
Forbes – “AI’s Impact on Music in 2025: Licensing, Creativity and Industry Survival” (dez. 2024)
Análise dos dilemas do licenciamento e erosão do valor autoral na transição para ecossistemas híbridos (humanos + algoritmos).
https://www.forbes.com/sites/virginieberger/2024/12/30/ais-impact-on-music-in-2025-licensing-creativity-and-industry-survival
Pontes Imprensa ↔ Artes
The Myth of the Computer, John R. Searle (1982)
Neste ensaio clássico, o filósofo norte-americano John R. Searle desmonta a ideia de que um computador possa “pensar” ou “compreender” do mesmo modo que um ser humano. Argumenta que os programas informáticos apenas manipulam símbolos — não lhes atribuem significado — e que a mente humana não pode ser reduzida a um conjunto de operações formais.
O texto introduz uma reflexão fundamental para o debate atual sobre a Inteligência Artificial: se as máquinas não têm consciência nem intenção, até que ponto podem criar?
A leitura ajuda a enquadrar os desafios comuns do jornalismo e das artes na era dos algoritmos, em que a autoria e o sentido dependem ainda — e talvez sempre — da experiência humana.
https://users.manchester.edu/Facstaff/SSNaragon/Online/100-FYS-F15/Readings/Searle,%20MythComputer.pdf
Declaração Conjunta de Organizações Culturais sobre o AI Act (2024)
Coligação europeia de entidades da imprensa e das artes a exigir transparência nos dados e licenciamento obrigatório para usos de IA.
https://www.cisac.org/Newsroom/articles-lobbying/eu-ai-act-joint-statement-european-creators-and-rightsholders
Parlamento Europeu – Estudos sobre IA e Indústrias Criativas (2024)
Panorama técnico das assimetrias entre criadores e big techs; propõe sistemas de tracing/reporting obrigatórios para remuneração justa.
https://www.europarl.europa.eu/thinktank/en/home.html
The Art Newspaper – AI and the Art Dilemma (2024)
Explora o paradoxo ético/económico da IA na criação artística e o risco de erosão das profissões criativas sem proteção jurídica adequada.
https://www.theartnewspaper.com/
Casos Transversais / Precedentes
Poynter Institute – Journalism is Facing Its Crisis Moment with AI (2025)
Ensaio que posiciona o jornalismo na linha da frente pela transparência e sustentabilidade perante a IA; apela a alianças entre imprensa e artes.
https://www.poynter.org/commentary/2025/journalism-crisis-moment-ai
NYT vs. OpenAI/Microsoft (2023–2025)
Ação judicial sobre uso de conteúdos jornalísticos no treino de modelos e “memorização”. Pode fixar limites legais para datasets de IA.
Petição inicial — The New York Times Company vs. Microsoft & OpenAI
As alegações do NYT sobre infração aos Direitos de Autor e apropriação indevida de conteúdo jornalístico, entre outras
https://hh-law.com/wp-content/uploads/2024/07/New-York-Times-complaint.pdf
Memorando de defesa (Motion to Dismiss) – OpenAI
Os argumentos jurídicos da defesa: fair use, acesso público, contestação de factos
https://www.courthousenews.com/wp-content/uploads/2025/01/open-ai-motion-to-dismiss-ny-times.pdf
Decisão do tribunal sobre a Motion to Dismiss
A opinião do tribunal que permitiu prosseguir boa parte do processo e rejeitou ou acolheu partes da petição.
https://www.nysd.uscourts.gov/sites/default/files/2025-04/yf%2023cv11195%20OpenAI%20MTD%20opinion%20april%204%202025.pdf
Universal / Concord / ABKCO vs. Anthropic (2023–2024)
Processo sobre reprodução de letras por modelos de IA generativa; precedente com paralelos diretos ao problema da imprensa.
Ensaio jurídico — AI and the Sound of Music (Yale Law Journal Essay)
Análise académica sobre as questões de fair use, autoria e como os direitos dos criadores são afetados pela IA generativa.
https://yalelawjournal.org/essay/ai-and-the-sound-of-music
Artigo – Music Business Worldwide (MBW): Music publishers ‘remain very confident’ of winning Anthropic case and will ‘vigorously pursue’ monetary damages (26 mar 2025)E
Este caso pode ter efeito-precursor: decisões e acordos aqui podem determinar como futuramente os modelos de IA lidam com obras musicais e como as companhias discográficas negociam licenças ou compensações.
https://www.musicbusinessworldwide.com/music-publishers-remain-very-confident-of-winning-anthropic-case-and-will-vigorously-pursue-monetary-damages1/
Publicações GDA
Colher para Semear – 25 anos de GDA, 10 anos de Fundação GDA – Cláudia Galhós
Este livro conta a história dos primeiros 25 anos da GDA e os primeiros 10 anos da sua Fundação. Mais do que traçar o percurso das duas entidades no tecido cultural português, Colher para Semear exige respeito pelo trabalho dos artistas, documentando que esse trabalho gera riqueza, uma parte da qual é reinvestida na própria Cultura.
https://www.fundacaogda.pt/recursos/colher-para-semear
Estatuto Profissional do Artista
Em 2018, a Fundação GDA deu um valioso contributo para a discussão do Estatuto dos Profissionais da Cultura, com a publicação de dois estudos
O Estatuto Profissional do Artista – Regime Laboral e de Segurança Social –Augusto Pereira Portela
Este trabalho reflete e analisa os dados resultantes de um levantamento efetuado, a nível nacional e europeu, relativo às condições de execução do trabalho artístico e ao seu enquadramento de proteção social.
https://www.fundacaogda.pt/recursos/o-estatuto-profissional-do-artista/
O Estatuto Profissional do Artista – Regime Fiscal – Glória Teixeira
Este estudo aborda os regimes fiscais aplicáveis aos artistas, na qualidade de trabalhadores dependentes ou independentes, incluindo-se a importante temática da dedutibilidade das diferentes despesas relacionadas com a profissão, bem como o tratamento fiscal específico conferido pelo legislador fiscal português a determinados rendimentos (bolsas, subsídios, etc.).
https://www.fundacaogda.pt/recursos/estatuto-profissional-do-artista
Estudo – O Estatuto do Artista nas Jurisdições Europeias
Um estudo de Direito comparado de cinco países europeus – Alemanha, Bélgica, Espanha, França e Itália – sobre as matérias de Direito Laboral, Direito da Segurança Social e Direito Fiscal dos profissionais da área da Cultura. Este trabalho foi efetuado no âmbito da participação da GDA no grupo de trabalho criado pelo Ministério da Cultura que esboçou o que viria a ser o Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura (Decreto-Lei n.º 105/2021).
https://www.gda.pt/wp-content/uploads/2021/06/GDA_questionarios-ea_FINAL.pdf
